Voltado para o público de alta renda, o Saint Marché também é dono em São Paulo de duas unidades do Empório Santa Maria, além de ter uma operação de e-commerce. Segundo especialistas, as dívidas da varejista cresceram com uma expansão mais acelerada durante a pandemia, com investimentos superiores a R$ 100 milhões.
No período, a taxa de juros estava em 2%, mas começou a subir até chegar em 11,7% (atualmente está em 14,25%). O Saint Marché também fez um investimento elevado em uma sociedade com o Eataly, empreendimento gastrônomico de luxo, em São Paulo, onde inaugurou uma unidade do Empório Santa Maria.
Para Alberto Sorrentino, consultor especialista em varejo e fundador da Varese Retail, uma soma de fatores levou a rede Saint Marché ao pedido de recuperação extrajudicial. Entre eles, destaca que a entrada no Eataly consumiu muitos recursos (estima-se um investimento de R$ 40 milhões), e a expansão da varejista foi financiada com muita alavancagem.
— No Brasil, a empinada dos juros de 2% para 14,25% fez com que empresas alavancadas sofressem imensamente. Não apenas o Saint Marché, mas várias companhias entraram em recuperação Judicial e tiveram que renegociar dívidas porque a despesa financeira ficou insustentável, drenando o caixa, o resultado e colocando as empresas sob pressão — explica.
Do lado positivo, Sorrentino observa que o grupo construiu uma marca importante, com uma base de clientes de alto valor e potencial. Mas essa reestruturação financeira era necessária para a empresa poder voltar a operar de maneira saudável, diz.
Segundo o Observatório Brasileiro de Recuperação Extrajudicial (Obre), o pedido do Saint Marché é o segundo maior deste ano, ficando atrás apenas da mineradora Araguaia Niquel Metais, que em janeiro fez um pedido de recuperação extrajudicial em Minas, com dívida de R$ 2,4 bilhões. No ano, já são R$ 3,3 bilhões em dívidas renegociadas extrajudicialmente, alta de 800% em relação ao primeiro trimestre de 2024, segundado dados do Observatório.
O processo de recuperação extrajudicial já vinha sendo preparado desde fevereiro, quando o grupo obteve na Justiça a suspensão, por 60 dias, da execução de suas dívidas. Ao mesmo tempo, os sócios controladores do fundo de investimento americano L Catterton, com cerca de 65% de participação nas ações, já buscavam um comprador para sua fatia. Mas as questões financeiras poram um obstáculo para que o controle da rede trocasse de mãos.
Um fundo de investimento gerido pelo BTG Pactual é o principal credor, com R$ 275 milhões a receber. Segundo os advogados, a varejista já tem apoio do fundo para a reestruturação financeira e agora deverá buscar apoio dos demais credores.
O plano de recuperação prevê um empréstimo de R$ 127,5 milhões e aqueles que se dispuserem a emprestar para o grupo terão bônus de subscrição, título que dá ao seu titular o direito de comprar participação em uma empresa.
O fundo L Catterton vai entrar com um terço do empréstimo, mas perderá a posição majoritária e não terá direito ao bônus de subscrição. O fundo do BTG também entrará com uma participação de um terço do empréstimo. Com o processo de reestruturação em andamento, a expectativa agora é que a rede seja vendida. Segundo pessoas a par das conversas, já há grupos de varejo interessados no Saint Marché, entre eles players nacionais e estrangeiros.
Os recursos injetados no grupo serão utilizados para pagar fornecedores, que têm em torno de R$ 40 milhões a receber, além de repor estoques. Além dos novos recursos, está previsto um alongamento das dívidas aos credores financeiros. Uma parte das dívidas será paga em sete ano e outra parte em até trinta anos, com correção pelo CDI e pela TR.
O advogado Renato Scardoa, sócio do S.DS Advogados e especialista em recuperação de empresas, lembra que o varejo brasileiro vem atravessando situação financeira delicada, provocada por queda nas vendas, fechamento de lojas e dificuldades para acessar linhas de crédito.
— A inflação reduz o poder de compra da população, os juros elevados encarecem o crédito para consumidores e empresas, além da instabilidade econômica e política que afeta a confiança do consumidor — diz o advogado.
O Saint Marché foi fundado em 2002 pelos empresários Bernardo Ouro Preto e Victor Leal, hoje sócios minoritários. Eles não eram do ramo do varejo, mas investiram na busca de um público classe A. Em 2016, os americanos do L Catterton adquiriram o controle desembolsando R$ 226 milhões. Em 2021, o grupo fez uma uma tentativa de abrir o capital, mas não foi bem-sucedido. O cenário macroeconômico, com a alta dos juros, não era favorável para uma oferta de ações na B3.
Com cerca de 2 mil funcionários, o faturamento do grupo chegou a R$ 1,1 bilhão em 2023. No ano passado, até setembro, o faturamento foi de R$ 971 milhões. Mas o grupo operava no vermelho. Procurada, a varejista não se pronunciou.
Fonte: O Globo